Declaração de Veneza

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Inserta nas celebrações do Ano Internacional das Cooperativas 2012, a EURICSE juntou-se à ACI e às confederações cooperativas italianas mais importantes para realizar uma conferência sobre ‘Promover a Compreensão das Cooperativas para um Mundo Melhor’.

Estiveram presentes académicos de todo o mundo, tendo o discurso inaugural cabido ao antigo Presidente da Comissão Europeia, e ex Primeiro-Ministro italiano Romano Prodi.

Duas notas se crê devem ser compartilhadas por todos:

  • Há que estar especialmente atento ao surto de documentos originário da Comissão Europeia, surto que afeta o mundo cooperativo e da economia social. Esteve especialmente em foco a regulamentação proposta sobre as instituições financeiras e que poderá pôr em causa a sobrevivência da banca cooperativa e local na Europa; mas também foram feitas bastas referências às empresas sociais, ao empreendedorismo e às PMEs, e ao modo como nas Comunicações de Bruxelas são tratadas cooperativas, economia social e num caso o terceiro setor;

  • Para os académicos, sobretudo os italianos, os atuais princípios cooperativos são demasiadamente vagos, e da sua aplicação pode resultar a inviabilização de novas experiências de tipo cooperativo que se estão a desenvolver em resposta à crise económica e social, experiências do tipo das cooperativas sociais, cooperativas que se não destinam a servir os membros delas, mas sim terceiros, e que a doutrina cooperativa tem tendência a incluir nos chamados híbridos cooperativos. Como haverá em Manchester no final do ano uma revisão intercalar do 7º Princípio cooperativo, por forma a acrescentar-lhe uma dimensão ambiental, haverá que estar atento aos trabalhos da Comissão de 4 elementos criada pelo executivo da ACI, que reuniu em Veneza na véspera da Conferência, para ver o âmbito da próxima revisão, que não deixará, a existir, de ter repercussões no nosso Código cooperativo, por ter ele incorporado ipsis verbis os princípios de Manchester, 1995, no texto da nossa lei.

Finalmente, chama-se especial atenção para a Declaração final da Conferência, e para a posição dos académicos de que não se devem avaliar as cooperativas com base em critérios formatados para as empresas capitalistas. Estas exigem que as suas realizações sejam avaliadas por critérios que lhes sejam próprios, e para isso quer via Contas Satélite, quer diretamente haverá um urgente trabalho a fazer de conhecimento do real universo cooperativo na Europa.


 

PROMOVER A COMPREENSÃO DAS COOPERATIVAS PARA UM MUNDO MELHOR
DECLARAÇÃO FINAL, Veneza, 16 de Abril de 2012

 

Muitos fatores apontam para o facto de ser necessário um sistema económico renovado que faça sair da crise que afeta muita da economia global. Contudo, um novo sistema tem de ser diferente do que gerou a crise. Tem de reconhecer o valor da diversidade empresarial na economia, tal como na natureza se reconhece o valor da biodiversidade.


A diversidade económica não deve respeitar apenas à dimensão da firma ou se ela é privada ou pública. Pelo contrário, tem de envolver os objetivos da firma e seus mecanismos de coordenação, e por isso deve englobar os diferentes tipos de empresa que operam em mercados particulares e no conjunto da economia. Assim, não pode existir diversidade na economia sem que se tenha em conta a presença das empresas cooperativas, de todos os tipos e tamanhos.


A conferência científica organizada pela Euricse, pela ACI e pelo movimento cooperativo italiano por ocasião do Ano Internacional das Cooperativas, juntou académicos de diferentes países e disciplinas para discutir a importância económica e social das cooperativas, quer do ponto de vista teórico, como do empírico.


Ao expor as limitações de muitos dogmas assumidos, o que questiona a relevância e sustentabilidade da cooperação, e num esforço para melhor compreender o contributo das empresas cooperativas para a recuperação da atual crise económica e implementação de um sistema económico mais eficiente e equilibrado, a conferência chegou a algumas conclusões e recomendações importantes, adiante sumarizadas.

  1. A presença alargada de cooperativas em muitos países e setores foi relatada na conferência. A presença mais significativa acontece nos países em que o controlo público é mais fraco e o movimento cooperativo mais organizado. Apesar da escassez de dados oficiais sobre as formas de empresa, a evidência apresentada na conferência revelou que em certos setores o modelo cooperativo é dominante, e em muitos outros manteve ou aumentou mesmo a sua quota de mercado ao longo dos anos. A vasta presença de cooperativas, aliás, parece assegurar maior competição e estabilidade, particularmente em alguns setores como os seguros e a banca.

     

  2. Acresce que foi evidenciada a emergência de novas formas de cooperação em setores como a educação e a saúde e serviços sociais, onde a oferta pelas organizações públicas e não lucrativas era insuficiente. Estas novas formas realçam o impato social da cooperação, particularmente ao nível local e quando o setor público falha, dada a superior capacidade destas empresas para gerar externalidades positivas.

     

  3. Ao questionar muitas das alegadas limitações das cooperativas, que fariam delas formas sistematicamente menos eficientes que as doutras formas de empresa, os participantes na conferência mostraram que as cooperativas não estão confinadas a setores específicos, não são apenas pequenas empresas, nem estão menos capitalizadas que as sociedades por ações. Acresce que as cooperativas tendem a manter em tempo de crise níveis de emprego superiores aos de outras empresas, e a aumentar o emprego em fases expansionistas.

     

  4. Outro ponto-chave que emergiu das análises discutidas na conferência diz respeito à maior longevidade das cooperativas relativamente às outras formas de empresa. Em muitos setores, em que os mercados não são, ou não podem ser adequadamente competitivos, as cooperativas distinguem-se pela sua resiliência e longevidade.

     

  5. A crise despoletou profundas transformações, o que torna ainda mais urgente que a atividade económica seja mais eficiente e sustentável pela adoção de mecanismos de coordenação de natureza cooperativa (em vez de meramente contratuais). Essas tendências incluem:

     

    1. A necessidade de alterar radicalmente a distribuição do rendimento, separando as suas implicações no emprego e na produção.

       

    2. Os efeitos de um declínio da confiança na capacidade dos mercados em lidar com um crescente número de transações.

       

    3. O crescente desígnio das populações em exercer maior controlo sobre as atividades de produção e consumo.

       

    4. Um impulso para a cooperação, quer no setor dos serviços de interesse geral, onde em muitos países a procura crescente vai de par com um decrescente papel do setor público, quer em setores conhecimento – intensivos, onde o capital humano é o mais importante fator de produção.

       

  6. A abordagem multidisciplinar adotada na conferência, envolvendo académicos em economia, história da economia, direito, sociologia e ciência política, permitiu a consolidação de uma nova interpretação de cooperação. Nomeadamente, a metodologia da conferência integrou a tradicional abordagem da análise económica, assente na procura, com uma interpretação focalizada na oferta (examinando, quer a capacidade cooperativa de reduzir custos de transação, quer a sua propensão para substituir as transações de mercado por mecanismos de agrupamento dos agentes movidos por motivações não monetárias e intrínsecas). Esta abordagem provou identificar mais precisa e convincentemente as origens da forma cooperativa, suas vantagens, limitações e potencial (no geral e no corrente contexto), bem como os limites da sua regulação.

     

  7. A análise apresentada na conferência contribuiu também para melhor compreender a importância de um quadro regulamentador e de políticas de apoio coerentes com a forma cooperativa e favoráveis ao seu desenvolvimento. Se bem que a cooperação seja tradicionalmente um fenómeno da base ao topo, ao ponto em que quando foi diretamente promovida pelos governos se mostrou não sustentável, uma regulação adequada (tanto nos setores tradicionais como nos novos) é de transcendente importância, e deve possuir caraterísticas específicas, incluindo:

     

    1. Reconhecimento completo da forma cooperativa enquanto tipo de empresa que deve gozar das mesmas liberdades e do acesso às mesmas medidas de apoio à disposição de outras formas de empresa;

       

    2. Regras de organização e governança que permitam às cooperativas adotar a melhor forma de governança em função da sua dimensão, atividade ou base de filiados, permitindo o desenvolvimento de cooperativas em todos os setores em que se têm provado úteis (incluindo em particular os novos setores do conhecimento e setores tradicionalmente caraterizados por estarem submetidos a monopólio público, em função da capacidade das cooperativas em salvaguardar os interesses de todos os interessados por via de mecanismos partilhados de propriedade);

       

    3. Um mercado regulamentar (de olho nas regras antitrust e de supervisão) que tenha em consideração a especificidade das cooperativas, e particularmente as suas diferenças na atribuição de direitos de propriedade e definição dos objetivos da sua atividade empresarial (que, em qualquer caso, não coincidem puramente com lucro, mas com os interesses dos seus trabalhadores, produtores, ou consumidores);

       

    4. Desenho de uma estratégia específica de apoio destinada a facilitar a criação de novas cooperativas e reconhecer a sua função social, inclusive em termos de redução de custos, especialmente quando tais custos são consistentes e facilmente mensuráveis (como no caso dos serviços essenciais que não geram rendimento suficiente para ser economicamente sustentáveis, ou no caso de cooperativas de integração de trabalhadores).

       

 

Em suma, a investigação apresentada na conferência identificou as cooperativas como atores que podem contribuir de forma dinâmica e inovadora para o desenvolvimento social e económico dos locais onde operam. A genética das cooperativas revela uma capacidade de adaptação e transformação que permite às cooperativas reagir positivamente a situações difíceis, sendo a sua utilidade claramente não limitada a tempos de crise. Um aprofundado conhecimento das dinâmicas da cooperação pode assim contribuir de forma importante para uma estratégia de renovação do sistema económico, levando a que faça parte de uma economia plural com diferentes formas de empresa, contribuindo cada uma com base nas suas especificidades próprias. Os contributos dos académicos que participaram nesta conferência faz sobressair que o interesse na cooperação se não limita à comunidade científica, mas é parte de uma atenção renovada para com estas formas de empresa. Ao mesmo tempo, revelam como as políticas públicas e regulações de mercado em muitos contextos são ainda desadequadas, ao muitas vezes negarem a diversidade empresarial e penalizarem efetivamente as cooperativas. A comunidade científica representada na conferência espera que as políticas públicas, ao nível nacional e internacional, se tornem melhores permitindo e aproveitando as contribuições importantes das empresas cooperativas para o desenvolvimento social e económico.

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